Uma questão de tamanho

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O Mundo não tem a mesma dimensão para todos, ele é do tamanho possível que, naquele momento, está ao alcance de cada um.

Enquanto alguns se questionam e debatem sobre se ele é plano ou redondo, eu dou comigo a pensar que mais importante do que a sua forma é o tamanho como as pessoas o veem.

Por exemplo, é curioso como algumas pessoas se acham maiores do que o próprio universo, enquanto outras têm noção do quanto pequenas e insignificantes são no meio da sua grandeza.

Para alguns, o Mundo não tem limites, viajam física e mentalmente e permitem-se alargar os seus horizontes infinitamente, com uma sede enorme de descobrir o desconhecido, de abraçar as diferenças e ter prazer em se sentirem, cada vez mais, uma migalhinha, que só funciona e só tem sentido no meio de tantas outras, tão iguais e tão diferentes quanto for possível e impossível ser.

Para outros, alguns até muito viajados, e com o passaporte cheio de carimbos, o único Mundo que lhes é possível alcançar é aquele que o preconceito e a mesquinhez lhes permite, achando-se sempre superiores a tudo e a todos, não sendo capaz de ver e amar algo que não seja o seu próprio reflexo, perdidos num narcisismo social infinito.

No outro dia, num dia feliz, em que andava entretida a abraçar o meu Mundo, encontrei o Senhor Serafim, um senhor franzino e de baixa estatura, com cerca de 80 anos, e que foi meu vizinho há mais do que três décadas e que já não via há muito tempo.

Nessa época, em que ainda era uma menina, e que vivia num espaço de dimensão infantil, pintado dos medos e dos estigmas sociais que me incutiam, olhava para ele muitas vezes, embora, hoje, tenha noção de que não o conseguia ver.

Para mim, ele era um lixo de um homem, Serafim – o  bêbado, que andava 24 horas por dia entorpecido pelo álcool. De manhã, bem cedinho, quando ia para a escola, ele já estava na tasca da esquina a medir o seu Mundo, no fundo de cada copo que emborcava pela goela abaixo. Quando regressava a casa ao fim da tarde, ele cambaleava pelas ruas, dizendo asneiras e disparates, quase imperceptíveis. E à noite, não deixava a vizinhança dormir, com os desacatos que provocava em casa, gritando com a mulher e as filhas e partindo os poucos pertences que possuíam. Aquele homem franzino, quase pele e osso, naquele momentos de alcoolismo ganhava uma força hercúlea, capaz de  destruir tudo e todos que lhe parecessem um obstáculo ao seu delírio ébrio.

Reencontrei-o, por mero acaso, na paragem do autocarro, e como a pontualidade não é uma mais valia neste serviço de transporte, a espera foi longa, o que nos proporcionou uma boa hora de conversa.

Reparei, pela primeira vez, nos seus grandes olhos verdes, brilhantes e cheios de vivacidade, ouvi o que ele tinha para dizer com muita atenção e consegui vê-lo pela primeira vez em tantos anos.

O seu sorriso sem dentes era genuíno e notava-se que estava feliz, segundo me disse, porque agora tinha um passe social gratuito, que lhe permitia viajar todos os dias para onde lhe apetecia. Para ele não importava os limites condicionados pelas zonas a que aquele passe tinha acesso, porque proporcionava-lhe muito mais do que alguma vez tinha tido.

Confessou-me, com muito entusiasmo, que tinha alma de viajante e que adorava sair dali e ir visitar lugares diferentes. Antigamente não o podia fazer, porque o pouco dinheiro que tinha mal dava para colocar comida na mesa, mas agora, finalmente, aquele pequeno cartão rectangular  permitia-lhe viajar todos os dias, independentemente da distância dos locais que visitava.

Quando o meu autocarro chegou e me despedi dele, já conseguia compreender um pouco o que é que ele procurava em cada garrafa que esvaziava até à última gota, quando eu era uma menina e não o conseguia ver. Naquela altura, aquele era o seu Mundo, o único que lhe permitia fugir da dura realidade da sua vida e sentir-se um cavaleiro andante em busca de novos lugares e novas sensações. O álcool era o único passe social que tinha para se sentir feliz e vivo.

MC

A vida é um jogo

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“Assim como no Teatro a vida é um jogo constante de improviso, onde temos que driblar os obstáculos, vencer nossos medos, nossas inseguranças, usar a criatividade e ter jogo de cintura para seguir em frente.”

                                                                                                               ELIS PARRA – atriz Brasileira

Um sonho de amor

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Era uma vez um perfeito sonho de amor

que se alimentava da mais pura ilusão,

só existia no pensamento dos amantes

fazendo-os sentir uma fictícia emoção.

 

Farto de não ser um sentimento real,

esse amor fez uma enorme revolução,

desafiou-os a viver um amor de sonho,

para ver se resistiam a tamanha provação.

 

Tão loucamente apaixonados estavam,

que decidiram cegamente o desafio aceitar,

trocaram uma vida de utopia por uma vida real,

e rapidamente o amor começou a definhar.

 

Lamento imenso, meus caríssimos amigos,

não ter uma história melhor para contar,

mas o amor é  um sentimento  tramado

e  muito difícil de se conseguir contentar.

 

Não posso deixar de chegar à seguinte conclusão,

que aqui partilho com vocês nesta quadra final,

um sonho de amor, dizem todos, é  pura alucinação,

mas um amor de sonho, podem crer,  é ainda mais irreal.

 

                                                                             MC

O primeiro dia

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Era o primeiro dia

de muitos outros primeiros dias,

que antecipavam sempre

mais uma série sucessiva de primeiros dias.

Uns atrás dos outros ininterruptamente,

ansiosos pela chegada de um amanhã diferente…

Todos frustrados consecutivamente

pela inexistente contagem crescente…

Uma sequência infinita de sonhos

adiados constantemente

para o primeiro dia seguinte.

 

MC

A pensar em ti

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Minha antiga paixão,

Mais uma noite mal dormida,  sinto o calor da minha cama desfeita das muitas voltas de uma noite de insónia, ouço a chuva caindo lá fora com uma cadência ritmada, que soa dentro da alma e aquece por dentro, e eu penso em ti e na falta que me fazes. Antigamente fazias parte da minha vida diária e agora estamos tão distantes. Não sei o que nos aconteceu, porque motivo cresceu este abismo entre nós, mas sei que deixaste um vazio em mim, que mais ninguém pode preencher, só tu. Chegamos a passar várias horas seguidas juntas, de um enorme prazer, pelo menos para mim, em que nem nos apercebíamos do passar do tempo. A vida foi ingrata, corrompeu a nossa relação e separou-nos, mas estou determinada a recuperar-te! Escrita, volta para mim! Vamos viver mais algumas aventuras a dois.

Sempre tua,

MC

The show must go on

Ultimamente tenho caminhado muito, e apesar de não ser uma pessoa muito dada aos prazeres do exercício físico, tenho aprendido a saborear esses momentos e a retirar deles o máximo de benefícios.

Às vezes caminho acompanhada por pessoas de quem gosto e é muito bom partilhar com elas esses momentos de descontração, em que se vai pondo a conversa em dia. Outras vezes caminho sozinha, o que é igualmente aprazível, porque aproveito para arrumar os meus pensamentos, observar a paisagem atentamente e ouvir música. Nestes momentos de caminhada solitária, escolho uma playlist no Spotify, coloco os phones e lá vou eu.

Hoje, enquanto dirigia o carro para o local onde queria caminhar, tocava na rádio uma música dos Queen que me estava a encher de entusiasmo. Logo, quando chegou a hora de escolher a playlist para ouvir, só me apetecia continuar a ouvir esta banda.

Foi uma experiência surreal e por isso não resisti em partilhá-la aqui convosco. Eu já sabia que caminhar com uma banda sonora ao nosso gosto era agradável, mas caminhar a ouvir os Queen é qualquer coisa de outro mundo. Não há uma única música que não seja excecional! E a voz do Freddie Mercury é brutal! Tem tanta força, tanto poder, tanto carisma! Enquanto caminhava, senti-me transportada para outra dimensão, dancei e cantei interiormente e até houve alguns momentos em que me parecia estar a partilhar um palco com este Deus intemporal. Tive que me conter para não começar a cantar e a dançar no meio da rua, correndo o risco de ser internada por loucura, quando na realidade estava a viver um momento de pura lucidez, euforia e felicidade.

Para ti, que me estás a ler, experimenta caminhar ao ritmo dos Queen e depois conta-me o resultado.

Grande Freddie Mercury!

Um homem que vai ser sempre imortal e eternizado pelo seu talento musical e que vai passar a ser uma companhia de eleição em futuras caminhadas.

MC

Meditação

Aqui eu fui feliz aqui fui terra
aqui fui tudo quanto em mim se encerra
aqui me senti bem aqui o vento veio
aqui gostei de gente e tive mãe
em cada árvore e até em cada folha
aqui enchi o peito e mesmo até desfeito
eu fui aquele que da vida vil se orgulha
Aqui fiquei em tudo aquilo em que passei
um avião um riso uns olhos uma luz
eu fui aqui aquilo tudo até a que me opus

Ruy Belo

Um pouco de poesia

Buçaco3

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

Manoel de Barros, Tratado geral das grandezas do ínfimo

Um blog de partilha de sonhos…