Acho que já deixei bem evidente neste blog o quanto amo poesia, já o afirmei de várias formas e não há qualquer dúvida de que a maioria das minhas publicações são poemas de vários autores e até já tentei fazer alguns rascunhos de possíveis poemas.
Como é óbvio, quando guardo aqui um poema, é porque gosto muito dele e tenho vontade de o reler e sentir de acordo com o meu estado de espírito do momento. Sim, porque não lemos o mesmo poema duas vezes da mesma maneira, nós estamos sempre a mudar… e logo a nossa maneira de sentir as palavras também muda. Reparem que mesmo quando lemos um poema uma segunda vez logo a seguir à primeira, já temos a experiência de uma primeira leitura e os sentimentos à flor da pele já são outros.
No facebook, faço parte de alguns grupos de poesia e acompanho as páginas de alguns escritores que aprecio, como Mia Couto. Hoje, encontrei um link na página deste escritor, “Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto” e aconteceu-me um poema, ou seja, apaixonei-me perdidamente por um destes dez poemas. Porquê este, entre dez, ditos inesquecíveis? Não sei explicar. Talvez porque a luz incidia sobre aquelas palavras com um brilho diferente ou então porque eram as palavras que eu precisava de ler naquele preciso segundo. Nada disso interessa, o que fica, é uma sensação sublime de paixão por algo… E não há nada melhor do que o sentimento arrebatador de nos apaixonarmos, independentemente do foco da nossa paixão… seja por palavras… seja por imagens… seja por música… seja por pessoas…
Aqui fica o poema de Mia Couto, que sinto como sendo também meu, que o assimilei profundamente, transformando-o numa parte das minhas emoções e dos meus pensamentos. Espero que o apreciem tanto como eu. Caso isso não aconteça, sugiro que leiam os outros nove e quem sabe não encontram aí o vosso momento de paixão poética.
MC
O Amor, Meu Amor
Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.
Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.
E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.
E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.
Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.
E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.
Mia Couto, No livro “Idades cidades divindades”